Saturday, October 28, 2006

*Breve história da criação deste blogue:


Estava a tentar transferir a minha lista de contactos da clix para o gmail, quando o ciber espaço se enganou e dei por mim, não sei como nem porquê, na página de criação de blogues: aproveitei para criar um e, de seguida, escrevi este texto que já andava há muito tempo na minha memória prospectiva, se é que isso existe.

Afurada-Porto

Há dias de tudo. Há dias em que sobretudo nos lamentamos de não ter trazido connosco um bloco-notas, um pequeno gravador de bolso ou a máquina de filmar digital que nos ofereceram no último Natal e que ainda não tivemos pachorra para começar a usar. Porque a visão cinematográfica não é despertada de qualquer maneira. É preciso que a impressão retiniana seja forte e inesperada.
Não necessariamente agradável, mas intensa e inopinada. Como se, por exemplo, estivéssemos a ir em direcção ao Arrábida-Shopping, na esperança de gastar um dinheirinho nos últimos saldos de Primavera/Verão e, de repente, as obras na estrada que a Câmara de Gaia anuncia em grandes parangonas - Gaia é obra - se interpusessem no nosso caminho e déssemos por nós, após várias hesitações e guinadas sucessivas à esquerda e à direita, a descer uma viela empinada, ladeada por casinhotos às camadas sobrepostas, numa criatividade semelhante à das favelas brasileiras, para desembocarmos, já um bocadinho assustados - estão lembrados de quando, na "Feira das Vaidades", o Senhor do Universo Sherman McCoy se engana e continua em frente para o Bronx em vez de virar à direita para Manhattan? (era mais ou menos assim que eu me estava a sentir, sozinha, em território índio, desconhecido e potencialmente hostil) – num recinto espantoso, que, por acaso, – a vida está repleta de coincidências, aliás foi por mera coincidência que eu criei este blogue* – tinha vislumbrado na travessia da ponte, minutos atrás, tendo pensado que lindo, como se irá lá ter?
E não é que agora estava lá?!
Um vasto terreiro abria-se sobre o rio, eriçado de árvores. De um lado, organizava-se num amplo e agradável parque de estacionamento, empedrado e cheio de sombras, por onde poucos carros se distribuíam. Alguns continham casais de namorados, dos quais só se vislumbrava um dorso ou um par de pernas entrelaçado. Outro, albergava um casal idoso, contemplando silenciosamente o rio. No último, um senhor, bem vestido, lia o jornal. Do outro, o espaço desorganizava-se até ao cais. O chão era de terra donde o vento levantava uma leve poeira luminosa que caía sobre a roupa: lençóis e toalhas e peças de vestuário de cores garridas, dezenas, centenas de peças potencialmente voadoras, estendidas ao sol, por entre uma floresta de paus mais ou menos inclinados pelo uso, onde as cordas e arames se esticavam. Um alguidar verde-escuro ao lado de uma caixa de madeira descolorida. Uma camisa de quadrados em vários tons de vermelho, esvoaçando ao vento.
Por cima de tudo... as gaivotas, gritando como crianças.
Atrás uma casa antiga revestida a ocre, com uma varanda rendilhada de cor creme. Ao lado a massa escura de um palácio, enorme e acastelado. A que propósito?
À frente, o rio e os barcos.
À direita a perspectiva íngreme da cidade do Porto.
À esquerda uma faixa de luz que se estendia na direcção do sol poente, acompanhando uma estrada que bordejava o rio até onde era possível segui-la com a vista e com o carro, e que ia ter – como vim a descobrir – à praia dos Lavadores, para onde se dirigiam algumas pessoas, a pé ou de bicicleta, sozinhas ou aos pares, com o sol a dar-lhes nos olhos e um ar de estranha felicidade no rosto.
Era 6ª feira, estava-se quase no fim do dia e tinha chovido copiosamente ao longo de toda a semana.
Percebem agora porque é que gostaria de ter tido comigo uma máquina de vídeo e... de saber filmar?